Politica - Brasil - Eleições 2014
O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, de 81 anos,
acha que o senador mineiro Aécio Neves deve assumir já sua intenção de
disputar o Palácio do Planalto em 2014. “A ideia de que você precisa
esperar, porque vai ser desgastado, não adianta. Acho que ele deve
assumir”, afirmou FHC.
Fernando Henrique falou sobre o assunto no “
Poder e Política”, projeto do
UOL e da
Folha conduzido pelo jornalista
Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 30 de novembro no estúdio do UOL em São Paulo.
Na entrevista, o ex-presidente também falou que lamenta
algumas condenações do mensalão, como as de José Genoino e de José
Dirceu. “Eles não foram condenados pelo que eles são. Mas pelo que
fizeram (...) Acho um episódio triste. Essa gente ajudou muito o Brasil
no passado”.
FHC reconheceu também que o momento atual favorece a
percepção de que o Estado precisa socorrer a economia. Mas, segundo
ele, o crescimento do PIB não depende só do governo. “Como puseram na
campanha que ela [Dilma Roussef] era a boa administradora, o mal
desempenho da máquina, que não dependeu dela, mas de um sistema, vai
cair na cabeça dela”.
Fernando Henrique Cardoso – 30/11/2012
Narração de abertura: O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso tem 81 anos. É filiado ao PSDB.
FHC nasceu no Rio, mas fez carreira acadêmica e política em São Paulo.
É formado em Sociologia pela USP, da qual se tornou professor em 1952.
Lecionou em universidades nos Estados Unidos, Inglaterra, França e
Chile.
O primeiro partido de Fernando Henrique foi o MDB, de
oposição à ditadura militar. Depois, a sigla virou PMDB e FHC foi eleito
senador, nos anos 80.
FHC tentou ser prefeito de São Paulo, mas perdeu para Jânio Quadros, em 85.
Em 88, ajudou a fundar o PSDB, o Partido da Social Democracia
Brasileira. Nos anos 90, foi ministro das Relações Exteriores e também
da Fazenda, sob o governo de Itamar Franco.
Em 1994, elegeu-se presidente da República. Em 1998, foi reeleito.
No momento, Fernando Henrique integra diversas entidades internacionais e também preside o instituto que leva seu nome.
Folha/UOL: Olá internauta. Bem-vindo a mais um "Poder e Política”.
Este programa é uma parceria do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL, ambas empresas do Grupo Folha.
E a gravação está sendo realizada hoje no estúdio do UOL em São Paulo. E
o entrevistado é o ex-presidente da República Fernando Henrique
Cardoso.
Folha/UOL: Presidente, muito obrigado por comparecer aqui ao estúdio do UOL, em São Paulo. Eu começo perguntando: A crise econômico-financeira internacional colocou na defensiva ideias liberais, pelo menosalgumas.
Essa onda na Europa e outras partes do mundo... A França vai estatizar
uma siderúrgica, eu li essa semana. Ela [a crise econômica] é sentida no
Brasil e como ela afeta um partido como o PSDB?
FHC:Bom,
sentida no Brasil ela é. Para começar, ideologicamente, né? Os que
estão no governo passaram a ter uma espécie de perdão para utilizar
recursos públicos para reativar a economia. Então já é sentida no
Brasil.
O PSDB tem o nome “social democracia brasileira”. Ainda
bem que tem o “brasileira”. Eu fui contra o nome na época porque eu
dizia o seguinte: “Olha, eu, sociólogo, vou ter que explicar como é que
um partido que não foi formado pelos sindicatos vai ter esse nome que,
na Europa, tem outro significado”. Então, nunca houve uma identificação
efetiva do PSDB com uma ideologia social-democrática no estilo clássico.
Inglesa, sueca...
Folha/UOL: Europeia, em geral...
FHC:Europeia.
Nunca houve. O PSDB foi um partido muito menos ideológico do que as
pessoas pensam. E também nunca foi um partido que tivesse muito amor
pelo mercado. É uma ilusão, uma impressão.
Como todos os
partidos brasileiros, é a nossa formação histórica, as pessoas gostam
mesmo é de governo, é de Estado. Isso desde Portugal, da Península
Ibérica, o grande ator, e que é querido, é o governo. E o governo... o
Estado... E as pessoas confundem o Estado com o povo. O que é do Estado,
é do povo. Esquecem que o Estado depende de quem esteja lá.
Folha/UOL:
Aliás, o técnico da seleção brasileira de futebol, num momento de
“sincerocídio”... Depois, por causa do politicamente correto, recuou.
Mas ele disse algo, na verdade, ele vocalizou um pensamento que está na
cabeça dos brasileiros. “Não quer pressão, vai trabalhar no Banco do
Brasil”.
FHC:É injusto porque o pessoal do Banco do Brasil trabalha.
Folha/UOL: Mas...
FHC:Mas
o sentimento de muita gente é “vai para o governo para não trabalhar”.
Não é. Eu fui presidente, fui ministro. Eu tenho experiência na máquina
pública. A máquina pública brasileira tem gente muito competente. Agora,
é inchada. Tem também os que não trabalham. Você toma os que não
trabalham como se fosse generalizado. Não é assim. Nós temos uma máquina
pública que tem competência exatamente porque ela é antiga. Não é uma
coisa recente, é antiga.
Folha/UOL: Agora, o PSDB, não
obstante o sr. dizer que nunca foi um partido apenas pró-mercado, é um
partido que fez, sob a sua administração, várias reformas para colocar o
país mais em linha com um aspecto mais liberal da economia. Isso
aconteceu. Privatizou, por exemplo.
FHC:Claro,
claro. Mas não é por ser liberal. É pelas necessidades, pela
contingência da globalização. Quer dizer, o Brasil tinha economia
fechada com alta inflação. Como é que se vivia na nossa economia? Qual
era a ideia? Vamos fechar? Aumenta a tarifa e vamos dar juros
subsidiados para os nossos produtores. Isso ai era o ideal.
Bom,
isso funcionou, com substituição de importações e deu resultado.
Criamos um pacto industrial que não é pouca coisa, não é? Mas chegou um
momento que, também, isso ficou acanhado. O Brasil está como se fosse um
adolescente que está com calça curta. Tem que encompridar as calças, ou
seja, preparar a economia e o governo para poder lidar com o fato de
que a economia estava aberta. Não foi uma decisão ideológica. Foi uma
decisão prática.
Folha/UOL: Mas, agora, no momento pelo
qual passa o mundo, esse tipo de abordagem da administração pública
ficou mais difícil por conta dessa percepção geral que o Estado precisa
voltar para socorrer todo mundo?
FHC:Enquanto estivermos nessa conjuntura atual, sim. Mas isso muda. É uma questão, como diz, com um conteúdo mais pragmático.
Nós não fizemos aqui o que foi feito na Argentina, ou mesmo no Chile,
que foi: “Vamos liberalizar, abrir o mercado”. Não foi feito isso. Em
alguns setores, em função da escassez de recursos do governo, houve a
capacidade de você transferir novas tecnologias e, para forçar a
competição, houve uma abertura sobre controle: as agências reguladoras.
Eu não imaginava que elas iriam virar o que viraram mais tarde. Eram
para ser agências reguladoras. Portanto, nunca houve uma espécie de
“desprestigiamento” do Estado. Houve uma operação da função do Estado e
uma abertura para forçar a competição. Não para transformar o que era
público em privado e o monopólio privado.
E não foi generalizado
tampouco. Veja no petróleo. Nós flexibilizamos, como eu dizia, a Lei do
Petróleo para permitir a competição. Agora, não privatizamos a
Petrobrás, nem nunca quisemos. Esse ex-presidente da Petrobrás [José
Sergio Gabrielli] vivia dizendo isso, não tem base nenhuma. Segundo, que
nós queríamos. Não, não. Nem o Banco do Brasil. Houve até uma
discussão. Sempre me opus a privatizar o Banco do Brasil. O que eu
queria?
Folha/UOL: O sr. acha que o Banco do Brasil para sempre terá que ser estatal?
FHC: Acredito que vai ser para a nossa tradição. Acredito que vai ser. O problema é como é que você vai usar...
Folha/UOL: Mas o Brasil tem dois bancos. Ainda tem a Caixa Econômica...
FHC:Eu
sei. Mas é muito difícil. Você, num país como Brasil, acabar com isso.
Até porque essa última crise demonstrou, e a baixa do juros também, que
esses bancos públicos podem ser úteis como política pública para obter
certos resultados.
Agora, o que eu queria e fizemos era
transformar o Bando do Brasil numa empresa, não numa repartição pública
com a influência de políticos. Mesma coisa a Petrobrás. O objetivo não
era mercado, era espírito empresarial. Para ter competição. Para
melhorar a produtividade e para diminuir a influência de, digamos, de...
Não era influência política no sentido grande, mas de penetração dos
partidos, de ocupação de espaço. Isso era o que se queria.
No
caso da Telefônica, o que nós não tínhamos era tecnologia e competência
para avançar. Deu um salto enorme. E, curiosamente, com tudo que foi
dito, o novo governo que, não sei como qualificá-lo porque talvez não
goste de ser chamado de socialdemocrata porque eram socialistas, o que
ele fez? Não mudou nada. Não reestatizou nada, não é? Por quê? Porque
não tem sentido. No mundo de hoje tem que ter, realmente, uma
multiplicidade de formas de controle. Então eu não acho que, voltando à
sua pergunta inicial, sem dúvida, a crise mundial afeta, mas eu não acho
que isso afete o que foi feito. Voltar atrás não dá.
Folha/UOL:
E perguntei mais no seguinte sentido: Porque o discurso do PSDB é esse
que o sr. tem. Sobre a necessidade de modernizar o Estado brasileiro.
Vender para iniciativa privada o que não tem tecnologia para operar,
como telefônicas etc. Agora, como o momento mundial hoje é um pouco
diferente do que aqueles dos anos 90, esse tipo de discurso do ponto de
vista do convencimento eleitoral, hoje, ele é mais difícil de passar,
não é?
FHC:Talvez.
Depende de como se fale. Porque, veja o seguinte, ninguém está pedindo
para reestatizar as telefônicas. Ao contrário, estão pedindo para fazer
licitação para as rodovias. Estão pedindo para fazer licitação para os
aeroportos, não é? Por quê? Porque está estrangulado aí.
Então,
se você colocar ideologicamente, aí é cara ou coroa, e sabe Deus o que
vai acontecer. Mas, se você colocar de uma maneira adequada e tiver
coragem de explicar e ter convencimento, então faz. A presidente Dilma,
aliás, está embaralhada. Como é que ela faz as concessões? Mas vai
fazer. Por quê? Por não ter alternativa. Na minha opinião, não é que, em
princípio, a empresa privada seja melhor que a pública. Depende. A
Petrobras é uma boa empresa. O Banco do Brasil é uma boa empresa. Agora,
depende de como seja manejada. E, quando elas ficam monopólicas, aí
fica ruim. Se for monopólico privado também fica ruim. Porque a chave do
dinamismo é: você tem que competir. Dentro de regras.
Folha/UOL:
Falando um pouco sobre o discurso ideológico ou partidário, o PSDB, o
seu partido, nasceu num espectro do centro para a esquerda. Mas, ao
longo do tempo, foi adotando vários discursos, várias eleições. Agora,
sobretudo nas últimas duas eleições majoritárias, para presidente e para
a prefeito de São Paulo, aparecem temas morais, religiosos. Parecem que
aproximam o PSDB mais da centro-direita. Por que isso aconteceu?
FHC:Em
primeiro lugar, eu acho que os dois partidos principais nesses temas
acabam tendo que dizer aquilo que eles não acreditam. Porque supõem o
que a opinião pública queiram. Ficam mais conservadores os dois. Não há
diferença.
Folha/UOL: Mas quem puxou a fila parece que foi o PSDB, não foi?
FHC:Possivelmente,
se puxou, porque eu não acompanhei, [foi] por engano eleitoral. Eu acho
o seguinte: Tudo bem, eu sei que esses temas são delicados. Eu mesmo já
sofri com um desses temas. Eu nunca repudiei o que eu disse. Eu nunca
disse que não. Porque eu acho que você tem que manter a convicção. Eu
tenho convicção numa coisa, você vai lá, pode ganhar, pode perder. Por
isso, eu acho o seguinte, nesses termos de comportamento e que tenha uma
implicação de valores morais, o PSDB, ao meu ver, tem que se manter
progressista. Quando não se mantém, não tem o meu apoio. Eu não vou
nessa direção.
O PSDB, como todos os partidos, é homogêneo. E,
como você sabe, na vida política brasileira conta muito a eleição e os
candidatos. E os marqueteiros dos candidatos. Infelizmente, vem a
pesquisa e pensa que o povo pensa de um jeito. O povo manifesta o que
pensa e, ao invés de tentar mudar o que o povo pensa quando você tem
outra convicção, adere àquela convicção. Eu acho isso errado. Pode dar
resultado eleitoral. Pode. Mas não é o que vale. O que vale é você ter,
numa eleição é deixar a marca.
Folha/UOL: Essa guinada,
vamos dizer, ou concessão para esse tipo de valores ou ideias no campo
mais moralistas foi um erro, então, do PSDB?
FHC:Eu
não faria. Eu não faria. Agora, eu não quero estar julgando porque,
enfim, as circunstâncias são variáveis. Como eu disse, essa guinada é
dos dois lados. É desses temas é que a ideia que prevalece é a seguinte:
o povo não quer isso. Então você vai atrás do povo. Não se sabe se o
povo não quer mesmo isso. Depende de como se pensa o povo.
Pega a
questão da privatização. Veja as pesquisas da época. A favor. Porque
havia uma circunstância e eu falava, explicava e outros também. Você tem
que ganhar a batalha ideológica. Quando você perde a batalha
ideológica, não há o que fazer. A batalha das ideias. Agora, ao meu ver,
tem que dar a batalha de ideias. Se você não dar batalha das ideias,
pode ganhar a eleição mas depois você chega lá e o que você faz? Vai ser
inconsequente? Não vão te cobrar? Para você poder mudar, para você
poder transformar, você tem que estar com convicção empregando. E tenha o
apoio da sociedade. Ninguém modifica sozinho.
Folha/UOL:
O sr. falou ontem a propósito disso, que o seu partido, o PSDB, tem que
se aproximar mais dos eleitores e do povo. Como que ele vai fazer isso?
FHC:Deixa-me
te dizer o meu pensamento. Não é só o PSDB. Os partidos, por causa de
uma mudança tão rápida no Brasil, de alguma maneira, ainda continuam com
uma visão de sociedade anterior à atual. A atual é essa do UOL, da
pessoa que fica aí navegando o tempo todo, que tem informação
fragmentada. Os interesses dessas novas camadas que estão em ascensão
social não é muito claro. Não é homogêneo. Nós não sabemos.
Então, a minha tese é a seguinte: é preciso ouvir. Não é pregar. É
ouvir. É reconectar com o que está acontecendo com o país. Vou dar um
exemplo. Como eu estudei essa questão de droga... E sou sociólogo,
então, eu vou ver, eu fui lá, fui para a favela, vi, ouvi, falei,
conversei, vi a reação, a polícia. Recentemente, eu tive lá no meu
instituto uma discussão sobre a Líbia, a Síria e outros lugares do
Oriente Médio e vieram pessoas, fotógrafos e jornalistas. Muito
interessante. E um deles, que é um rapaz, André se chama ele, que fez
fotografias, conhece bem a situação aqui do Brasil também das áreas
pobres, da questão da repressão da polícia, da droga. Minha gente, há um
Brasil novo. Mas esse Brasil novo não quer dizer que ele seja todo
igual ao que foi o Brasil do passado e que vai ser todo mundo da classe
média. Classe média, hoje, é um conceito que confunde. Eu vi os dados,
porque o Moreira Franco me fez a gentileza de mostrar, porque a SAE, a
Secretaria de Assuntos Estratégicos está levantando e eu tenho muito
interesse nisso... Eu fui um dos primeiros a falar das novas classes
médias, do papel na oposição nisso e tal. Bem, ninguém sabe muito bem o
que é isso. O que essa gente realmente significa. Houve um aumento de
fluxo de renda. Então, medido pelo fluxo de renda, você tem realmente
uma camada enorme. Grande, que se pode falar de renda, depende de como
você for considerar, média.
Agora, isso significa o mesmo
comportamento? Não. Porque ainda não foi, digamos, sedimentada uma
cultura, uma forma de associação, de sociabilidade nova. Então, os
partidos têm que tentar penetrar concretamente. Porque o pessoal,
digamos, que não é pobre não, pode ser pobre ou não, que vive na
periferia...
Veja esse último que saiu da Globo, o Avenida
Brasil. É interessante. A novela. Que coloca uma temática do que se
imaginava que eram os emergentes. Não sei se a expressão é correta, mas,
enfim... Eles têm uma identidade forte com o seu lugar de origem. E
olham até com certa suspeita a chamada Zona Sul. Quer dizer, como diria o
Elio [Gaspari], o andar de cima. Bom, mas o andar de baixo andou.
Subiu. Ele está não se sabe bem onde. Então você tem que ver como é que
essa gente pensa. Eles estão lá, mas ele têm música. Eles têm interesse
pelo esporte. Eles têm interesse pelo futebol. Eles têm literatura na
periferia, não é? E é curioso porque é como uma outra linguagem.
Então, o que eu estou dizendo não é só para o PSDB. Tomara que o PSDB
vá mais depressa do que todos. Porque o próprio PT, que tinha um
enraizamento popular, mas popular onde? É popular nos sindicatos porque é
coisa antiga, que já existia. Um movimento social. Esta gente não está
no movimento social, não está no sindicato. Eu chamo “radicais livres”.
Então, eu acho que tem um público novo e que se os partidos quiserem ser
capazes de expressar alguma coisa, tem que saber exatamente o que é.
Uma linguagem nova também.
Folha/UOL: Mas, para
emprestar aí essa terminologia da medicina, esses radicais livres, como é
que o partido, o PSDB no caso, que é o seu, vai conseguir chegar a
eles? Vai ouvir. Mas ouvir como? Vão lá e ficar ouvindo? Mas e na
prática?
FHC:Vamos lá. Eu
imagino que no próximo ano, que é 2013, um ano que antecede a eleição,
que é em 2014, seja o momento dos partidos se organizarem, reorganizarem
e conectarem. Então, você pode fazer –deve, a meu ver– a partir não só
daqui de Brasília, mas chamar os nossos intelectuais, que estão aí, são
bons, ajudam. Não é o momento para isso. É para você pegar desde as
prefeituras e chama os líderes comunitários. Chama o pessoal que está
fazendo futebol de várzea. Chama os que estão em call center, que são
milhares. Tenta organizar os que tem blog. Faz encontros para começar a
ter... Não é para entrar no PSDB porque, hoje, essa gente não vai entrar
em nada.
Folha/UOL: Não é para convidá-los a se filiarem ao PSDB?
FHC:Não, não, não. É para o PSDB poder ter uma certa...
Folha/UOL: Interlocução?
FHC:Interlocução. Para estar junto. Hoje é uma questão...
Folha/UOL: Mas quem no PSDB vai comandar esse processo?
FHC:Bom,
eu acho que... Ontem, eu estive numa reunião aqui de prefeitos eleitos.
Foram 170, não sei quantos, em São Paulo. Eu fiquei muito bem
impressionado. Alguns desses novos prefeitos, e dos antigos também, são
pessoas que falam essa linguagem. Mas é a questão do local. Eles não
passaram para o estadual, nem para o nacional. Tem que pegar essa gente e
jogar no estadual e no nacional. Eles tem contatos. Eles fazem isso.
Um, por exemplo, que é prefeito de Sorocaba [Vitor Lippi]. Ganhou de
novo o PSDB mas era o segundo mandato dele. É uma pessoa que falou com
muita clareza como é que ele faz tudo isso. Sobre como é que ele fez uma
série de Poupatempo para chegar lá, mais perto do povo. Como é que fez
reuniões com as periferias da cidade. Como é criou um parque
tecnológico. Tem muita experiência rica no local e que não passa pelo
canal político, passa pelo canal administrativo. Como é que você vai
fazer para que o canal político tenha a capilaridade necessária ou a
sensibilidade, a antena, para ver que o que já está acontecendo pode ser
aproveitado.
Folha/UOL: Agora, deixe eu perguntar para o
sr., a oposição, quando a gente olha de fora, os principais partidos, o
seu inclusive, parece que têm duas apostas olhando para 2014. Quais são
elas? A primeira: Imaginar que, em algum momento, essa nova classe
média, emergente, como queira, vai mudar o seu patamar de exigências.
Vai achar que houve avanços mas vai falar: “Olha, eu acho que agora está
na hora de mudar”. Isso talvez aconteça em algum momento. Então, essa é
uma expectativa da oposição. E a outra é que talvez seja a hora já de
tentar colar no atual governo, na presidente Dilma Rousseff, uma imagem
de que: “Olha, eles não são bons administradores como diziam que ela
seria a grande gerente”. Essas são as apostas. O sr. acha que é isso
mesmo que está se pensando?
FHC:Não são as minhas apostas.
Folha/UOL: Não?
FHC:Não. Não são as minhas.
Folha/UOL: O sr. sente isso também? Nos discursos em geral?
FHC:Olha,
às vezes há alguns setores –não é no PSDB, na sociedade– que diz:
“Olha, isso aí não vai dar certo” e gera uma crise. Eu acho que apostar
no negativo é sempre ruim. É sempre ruim. E apostar que as pessoas que
estão aí, mobilidade [social], vão, num dado momento, querer mais, eu
acho que vão querer.
Folha/UOL: Como no Chile, por exemplo?
FHC: Sim.
Mas vão querer mais. Agora, que isso significa, politicamente, uma
adesão a esse ou aquele partido, é discutível. Eu acho que tudo depende
do apelo. Ou você, por isso que eu digo que tem que ouvir, vocaliza de
modo que haja sintonia ou pode até acontecer a crise que não acontece
nada. Politicamente, já não há crise, que eu não quero mas,
politicamente, isso não vai resultar em benefício. Eu acho que é um
erro, se é que alguém pensa assim. É um erro não entender que você tem
que ser ativo no processo. Você tem que interpelar numa maneira que as
pessoas ouçam a sua interpelação e concordem com ela. Não é simplesmente
esperar que aconteça para você surfar. Que é essa a hipótese.
Folha/UOL: Exato.
FHC:
Eu acho que está errado, não é? Também eu não acredito na questão da
administração... Ainda hoje (30 de novembro de 2012) alguém me perguntou
num jornal aí a respeito disso. Como o PIB cresceu muito pouco... “Bom,
então isso quer dizer que a presidente Dilma é má administradora?”.
Não. O PIB cresceu pouco por mil razões. O erro, que eu acho que houve,
[por parte] do governo, é imaginar que o governo ia... Ele se colou ao
PIB. Não precisava. Porque o Produto Interno Bruto, que é o PIB, ele
cresce ou não cresce por mil fatores. Como esse governo... Esse governo
não, o PT colou que ia... no meu período a 2002] governo o
crescimento foi relativamente pequeno, 2,6% [de crescimento do PIB ao
ano], em média, muito bem. Mas, na época, a economia mundial crescia
menos que isso e a situação financeira aqui era muito difícil. Então não
se pode atribuir ao governo o PIB não ter crescido. No momento
seguinte, o governo do Lula, que teve sorte, mas no primeiro ano foi
muito ruim, porque a situação era muito ruim. Ele mesmo criou, no último
ano do meu governo ], dificuldades imensas financeiras. Depois
engatou no bem estar econômico, mas o PIB cresceu. Bom, depois caiu. Não
foi que caiu porque o governo tivesse errado. Foi por dificuldades.
Então eu não acho que se deva colar na presidente Dilma: “é isto”. Pode
ser que caia, pode ser que não, não é? Vai depender de muitos fatores.
Ela é que pode se colar nisso. Aí fica mal para ela. Agora,
administração... Bom, aí é outra questão.
Folha/UOL: Só
antes de o sr. passar para administração: no caso do PIB, com o PIB
crescendo tão pouco quanto cresceu neste e no ano anterior, é um fator
que prejudica eleitoralmente o governo...
FHC: Se houver desemprego
Folha/UOL: Se não houver desemprego...
FHC: Se não houver desemprego, a população não sente isso aí.
Folha/UOL: Entendi.
FHC:
Não é? Eu acho que sim. Em outras vezes, o PIB crescendo... O Peru
crescia, no Chile crescia e perderam [as eleições] os governos. Não há
uma relação mecânica. Sempre depende do jogo político, de como é que
você coloca a questão. Quais são as questões que vão ser sensíveis
naquele momento eleitoral. Depende, portanto, da ação política. Não
depende só da estrutura e dos fatos que acontecem.
Folha/UOL:
Mas a lógica indica que, se o PIB crescer, o desemprego estiver baixo e
se o governo, mais ou menos, enfim, encaminhar determinadas demandas,
fica muito forte para a reeleição, não é?
FHC: Fica forte,
sim. Mas pode acontecer tanta coisa em política, acontece tanta coisa
inesperada... Então não dá a gente para julgar. Eu acho que os partidos
têm que se preparar... Qual é a convicção que ele [o partido] tem? O que
acha que já tem que fazer? Tem que propor, pregar, pregar. Às vezes
ganha, às vezes perde. Não tem essa visão de que está tudo bem, então
não vai acontecer nada. Acontece.
Folha/UOL: E criticar a administração por eventual falha gerencial o sr. acha que deve ser feito, não deve ser feito, e como?
FHC:
Deve. Deve ser feito porque é bom para o Brasil. Tem que fazer. Não é
porque isso vai dar voto. Pode, eventualmente, dar voto. Não é? Porque
se os erros se acumularem muito... Eu acho que a questão do erro aqui
vem do seguinte: na campanha eleitoral, para viabilizar a candidatura da
presidente Dilma, ela foi apresentada como a grande gestora. De novo
está ligado ao PIB, a mesma ideia. Como se a grande gestora fosse
responsável pelo que acontece no país. Não há mais isso. Hoje a gestão
depende da máquina, depende de outra coisa também. O que está
atrapalhando atualmente? O que atrapalha, à parte as dificuldades,
porque tudo agora parece que é a crise externa. Não. A crise não. A
crise só nos beneficiou até agora. Não houve interrupção de fluxo
financeiro e o preço das commodities não caíram. Então não nos
atrapalhou neste sentido. O que atrapalha, o que tem nos atrapalhado? É a
falta de uma visão estratégica.
Se quiser dizer de outra
maneira: as reformas, que eles [integrantes do governo do PT] não gostam
de falar, foram paralisadas. Porque na ideia de surfar e de distribuir
renda, é bom, mas tem limite de longo prazo. Não pode. Tem que ter
crescimento. Obnubilaram a visão do governo de que precisava mexer em
outras coisas mais profundas que não são populares. Como é que vai mexer
no mercado de trabalho? Não é popular. Então... não mexe. Bom,
privatizar... O que foi feito com os aeroportos? Nada. O que foi feito
com a energia elétrica? O modelo que está aí, o BNDES financiando tudo.
Você e eu que estamos pagando. E não está havendo capital. Então isto e
mais a partidarização da máquina diminui sua eficiência. O que diminui a
eficiência. A máquina não era nenhuma maravilha, mas tinha gente boa.
Mas houve uma grande partidarização, dos vários partidos. Até certo
ponto sempre há, eu sei disso, não sou ingênuo. Mas aqui houve o
predomínio. A Dilma luta contra isso, mas está ali meio bloqueada nisso.
Isso diminui o desempenho da máquina. Não é o dela. É o da máquina. Ela
vai se... como puseram na campanha que ela era a boa administradora, o
mal desempenho da máquina, que não dependeu dela, mas de um sistema, vai
cair na cabeça dela.
Folha/UOL: O sr. acha então que um
dos discursos possíveis para traduzir isso para os eleitores
brasileiros de uma maneira geral é: “Venderam uma administração com a
presidente Dilma Rousseff de grande eficácia na governança...”
FHC: Não está se mostrando assim.
Folha/UOL: É isso?
FHC:
É. A governança está falha. Eu não vou dizer que esse seja o motivo
central de fazer campanha. Campanha é outra coisa. Depende da
conjuntura, eu não sei o que vai acontecer. E depende de outras coisas.
Mas isso... Isso pega quem? Por enquanto, não pega o povo. Porque o
povo...
Folha/UOL: Isso que eu ia falar para o sr.
FHC:
O povo vai pegar nos seus resultados. Não vai pegar nisso aí. Então é
nos seus resultados. Agora, você tem que... Você sabe como é o jogo
político, de alguma maneira você tem que deixar marcas. Uma é a da
incapacidade de te atender. Não é aí. É na saúde, é na educação, é no
transporte. É aí que vai pegar. É a questão da casa. Está funcionando,
não está funcionando. O programa funcionou, não funcionou. É aí.
Folha/UOL:
Mas aí me parece, o sr. me corrija se eu estiver errado, que alguma
coisa vai sendo sempre feita. Não está uma catástrofe absoluta...
FHC:
Mas nunca está uma catástrofe absoluta. Você não perde quando está uma
catástrofe. Se fosse assim era só na tragédia que você perde. Não é na
catástrofe. Não precisa ser catástrofe. É no momento, no estigma e
também na opção. Quer dizer: tem outro melhor? Como você vota? Como,
concretamente, você vota? Você não vai votar... Hoje, aqui, ninguém vota
nem partido e nem sabe a diferença de legenda. Até porque é difícil.
Voto é: esse ou aquele. É bom, é pior, é mau? Não é? É muito mais isso.
Folha/UOL:
O sr. mencionou um pouco numa resposta anterior essa discussão toda que
o sr. fez sobre drogas, descriminalização de drogas leves. Esse tipo de
discussão deveria, no seu entender, ser incorporado pelos partidos e
pelo PSDB?
FHC:Eu
acho o seguinte: está chegando a hora. Não sei se já chegou. Porque
esses temas são delicados e é melhor debatê-los na sociedade do que na
via política. Porque a via política pode reforçar preconceito. E o
Congresso não vai nunca tomar a dianteira nesses temas. Veja que, em
muito desses temas delicados, o Supremo Tribunal [Supremo Tribunal
Federal] tem ido avante enquanto que o Congresso fica mais para trás.
Como o Supremo não precisa de voto, ele pode votar de acordo mais com o
seu raciocínio. Enquanto que quem depende de voto vai supor que não.
Então, eu acho que o debate na sociedade foi aberto. Mudou muito esse
debate. Não aqui, no mundo todo, inclusive aqui. Veja o que aconteceu no
Rio de Janeiro: a UPP [Unidade de Polícia Pacificadora]. A UPP não vai
lá para matar bandido. Ela vai lá para desarmar. Não vai lá para acabar
com a droga. Porque não acaba. Vai lá para desarmar, o que é importante.
Se fosse no México, para a pressão americana, iam lá para matar. Uns
matavam os outros. Não é o que está acontecendo. Se a experiência do Rio
pode dar certo ou não vai depender de outra coisa. Vai depender da
capacidade que tem o Estado de continuar presente lá. Porque o problema
do tráfico é que eles dominam o território.
Folha/UOL: Claro. E expulsa o Estado.
FHC:Expulsa
o Estado. Agora, os traficantes foram expulsos. Continuam operando, mas
não é naquele local e nem com arma na mão lá. Bom, para isso se manter,
é preciso que o Estado esteja lá. Muitas ações sociais lá. Não sei se
está havendo.
Mas o debate é importante. Mudou muito.
Antigamente, você dizia: “Tem que botar na cadeia, tem que prender”.
Agora tem um projeto de um deputado do PT dizendo que um pequeno
traficante que não tenha antecedente criminoso não deve ir para a
cadeia. Não é meu, é dele. Isso era impensável algum tempo atrás.
Discutir o tema. Então, está aberta a discussão do tema.
Folha/UOL: Agora, talvez ainda não esteja no momento de os partidos incorporarem isso.
FHC:Talvez
ainda não esteja. Eu sou o presidente da Comissão Global sobre Drogas,
no mundo todo. Com gente importante: Paul Volcker, que você conhece,
grandes escritores etc., etc. E líderes. Muito bem. A que conclusão nós
chegamos: Esse tema não se resolve só pela repressão, pela violência. A
guerra às drogas perdeu. A Colômbia, depois de todos esses anos de droga
que desmantelou muito a guerrilha, continuou oferecendo ao mercado
mundial a mesma quantidade de cocaína que sempre ofereceu. E o mercado
que a absorve são o Estados Unidos e o Brasil, os maiores. Então, não
mudou. No México, está havendo guerra, mas continua. Muito bem.
Então, vamos ver, a droga, em geral, faz mal. Todas. Álcool, fumo,
maconha para não falar de heroína. Todas, em grau diferentes, fazem mal
e, dependendo do uso e da qualidade da droga, fazem mal. Então, você não
pode dizer, bom, simplesmente, pode? Não, não é. Não pode. Então, o que
você faz? Ao reprimir não resolve, porque você não tenta diminuir o
consumo, a demanda, como se fez com o cigarro? Mas, assim,
sistematicamente com a maconha, pelo menos. E não se experimenta o que a
Europa está experimentando: produtores independentes. Ou o que o
Uruguai permitiu. Ou o que o presidente da Costa Rica está querendo.
Folha/UOL: A medida do Uruguai o sr. considerou positiva?
FHC:O
gesto é positivo. Como também, eu digo, o presidente da Colômbia, [Juan
Manuel] Santos, disse a mim e fez que ele ia propor a reabertura do
tema na reunião do hemisfério [sul]. E todos os presidentes concordaram
que tem que discutir o assunto. Que, pela violência só, não se resolve.
Como você não pode dizer: “Bom, e libera? Porque não pode liberar. Tem
que regular, tem que controlar, tem que impedir que vá mais?” O que você
faz? Não é simples. Não tem receita. Mas a atitude é completamente
diferente. Quando você vê os discursos do Reagan, do Nixon sobre drogas e
vê a atual, mudou muito. E aqui também.
Folha/UOL:
Quantos anos vai demorar para que o mundo conviva com essa ideia de
maneira mais generalizada e não se criminalize o uso de drogas como
hoje?
FHC:O uso de drogas criminalizadas está caindo rapidamente, rapidamente.
Folha/UOL: Essa história de criminalizar o uso de drogas é uma coisa dos últimos 100, 150 anos no máximo, não é isso?
FHC:Menos. Menos.
Folha/UOL: Menos?
FHC:Mas
isso é... A descriminalização está caindo. Caiu na Colômbia, caiu na
Argentina, caiu no Uruguai. Está caindo no México. Mesmo no Brasil, não
é, o uso. Na Europa, em vários países também, isso está caindo. Não tem
sentido tratar mesmo o que seja dependente como criminoso, como
prisioneiro. Ele é paciente, tem que ir para o hospital. E se vai para a
cadeia...
Folha/UOL: Quanto tempo o sr. acha, presidente, com a sua experiência? Isso é coisa para uma década?
FHC:É por aí. Digo, [para] não colocar o usuário na cadeia é coisa de uma década. Porque, mesmo no Estados Unidos, está mudando.
Folha/UOL:
Como que o trabalho do Observador [observadorpolítico.org.br] tem
contribuído para discutir esses outros temas para a sociedade, para o
país?
FHC: Com menos força do que o UOL,
né? [risos] Infelizmente, nós não temos a potência do UOL. Mas, de
qualquer maneira, a gente vai na mesma...
Folha/UOL: Qual que é a ideia do Observador? Como é que o sr. descreveria?
FHC:Qual
é a foi a ideia do Observador? Vamos abrir aqui uma tribuna para
discutir, basicamente, temas político-sociais. E que não tivesse a
marca, o carimbo de um partido. Que fosse uma coisa livre. E até porque
não tem outro jeito.
No começo, a discussão dentro do Instituto
foi difícil. Porque como é que vai abrir uma discussão que nós não
controlamos? Eu disse: “Bom, vocês estão enganados. Não dá para
controlar. Quando você resolveu entrar nesse mundo, você não tem como
controlar. É um mundo que tem as suas regras mesmo”.
Bom, a
ideia era essa. Agora, nós estamos, talvez, evoluindo um pouco mais no
sentido de começar a discutir, colocar para discutir temas que tenham um
pouco mais a nossa cara, o nosso endosso. Por exemplo, eu defendo muito
a ideia que o problema nosso do futuro não é uma sociedade rica, é uma
sociedade decente.
Folha/UOL: O que seria uma sociedade decente?
FHC:É
uma sociedade em que você tem segurança. Onde você tem valores. Onde
você se sente a vontade nela. Onde você tem gosto de estar nela e de
participar. Ela pode ser muito rica. Muito pobre não dá. Tem
necessidades básicas e tem que ser atendida, óbvio, não é? Mas nós já
chegamos a um ponto... A nossa renda per capita é de quê? U$ 12 mil? O
ideia é chegar à uns U$ 25 mil e está uma maravilha. Dobrar. Isso vai
levar algum tempo. Mas, a partir do patamar em que nós já estamos, não
basta apertar o acelerador para crescer mais. É preciso melhorar. É
necessário que as pessoas tenham educação. Que a família saiba que seu
filho vai ter educação. Nós podemos fazer.
Folha/UOL: Qual que o sr. diria que são os três principais valores da sociedade brasileira hoje?
FHC:Uma é liberdade. Nós temos.
Folha/UOL: Temos mesmo?
FHC:Mais ou menos. Porque essa é liberdade é genérica mas não é completamente assegurada.
Outro eu diria que é maior igualdade. Estamos longe disso. Foi
pouquinho. Porque o coeficiente de Gini, que mede isso, caiu 0,58 para
0,50. Na Alemanha é 0,3, não é? E esse 0,50 foi em 20 anos. E não
começou agora, mas foi indo, foi indo, mas acelerou. Está muito longe
ainda.
Então, eu acho que é liberdade, mas da liberdade mais
concreta. Depois, o outro valor eu acho que é realmente o de mais
igualdade.
E o outro nós temos, mas tem que acentuar: nós aceitamos uns aos outros. Tolerância. Isso é um valor...
Folha/UOL: Está quase o lema da Revolução Francesa isso daí [que era “Liberdade, igualdade e fraternidade”].
FHC:É verdade. Saímos um pouco de lá. Mas não conseguimos.
Folha/UOL: Estamos atrasados, hein? [risos]
FHC:Não.
O mundo todo. Não é atrasado, não. Oxalá pudéssemos dizer que temos
isso. Agora, a Revolução Francesa não foi tão tolerante assim. A
tolerância é uma virtude e é um perigo. Porque a tolerância pode
descambar facilmente para permissividade, o deslize, a complacência. Não
é isso. É a aceitação do outro mas não a aceitação do desvio. Não é a
transgressão.
Estou aqui improvisando. Você está me fazendo dar
uma lição de filosofia política de momento assim, né? Mas eu acho que
esses são os valores que nós devemos cultivar.
Folha/UOL: Vou perguntar um pouco de política para o sr.
FHC:De política eu sei menos.
Folha/UOL:
E tem a ver também com os valores. Toda hora tem um escândalo novo no
país. Os brasileiros estão acompanhando agora cada vez mais por conta de
tantos meios de comunicação. Nesse escândalo atual, que envolve uma
ex-secretária e uma ex-chefe, também, do escritório da Presidência da
República em São Paulo. Por que o sr. acha que acontece esse tipo de
escândalo com tanta recorrência no âmbito do Estado?
FHC:Posso
dizer uma coisa? A cultura tradicional brasileira é patrimonialista.
Patrimonialista basicamente é o seguinte, como você sabe, é confusão do
público com o privado, a família com o Estado.
Eu acho que,
infelizmente... Eu não vou nunca negar que o presidente Lula deu algumas
contribuições importantes ao Brasil, mas houve uma regressão
patrimonialista. Uma volta um pouco a aceitar como normal, não tanto a
questão do público e privado da família, muito mais de partido, de
transgressão... Não é nem transgressão, na cabeça deles não é
transgressão. Mas a aceitação de que você está lá, tem que ocupar o
Estado, tem que nomear. Isso, que vem da tradição, que eu sei que
existe. Mas eu lutei muito contra. Não consegui tudo, mas muita coisa eu
era contra, eu não deixava. Tentava lutar. Nisso parece que houve uma
espécie de: “Ah! Agora finalmente podemos”. E dá nisso. Esse último
episódio é uma consequência de uma coisa mais geral.
Folha/UOL:
Mas o sr. não acha que não é só a atitude do governante, mas como
estabelecer um sistema de freios para determinadas atitudes e mais
mecanismos sofisticados para que a pessoa ou o servidor se iniba?
FHC:Acho.
Agora, eu acho o seguinte, deixe-me dar um exemplo concreto. Quando eu
cheguei lá no governo, tinha no Congresso uma lei, até o [Pedro] Simon
reclamou muito e tal, que era, imagino, para coibir os empreiteiros, não
sei o quê e tal. Então, eu criei uma comissão, como tem na Inglaterra,
foi copiado na verdade, que é de ética pública [Comissão de Ética
Pública]. Para fazer isso, para coibir. Funcionou até certo ponto, até
agora. Agora, você viu que ela acabou. Porque o governo não aceitou.
Folha/UOL: O sr. acha que acabou na prática?
FHC:Na prática. Depois cai uma pessoa...
Folha/UOL: Como o Sepúlveda [Pertence]?
FHC:Como o Sepúlveda. Dizendo que caiu por essa razão. Então, tem lá esse mecanismo. Acabou.
Alguns mecanismos funcionam. Esse, a Controladoria-Geral da União, que,
também, eu criei. Tinha uma senhora que foi ministra disso.
Folha/UOL: Anadir [Anadir Mendonça]?
FHC:É,
tem um nome estranho. E eu vou à briga porque ela foi para cima de um
ministro. O ministro ficou louco e tal, e coisa. Mas foi criado. E
funcionou. Está funcionando. O Tribunal de Contas [da União], bem ou
mal, funciona. Você tem esses órgãos todos que estão se aperfeiçoando.
Veja bem, a própria Polícia Federal está agindo. Eu não conheço o que
está por dentro. A Polícia Federal, quando eu entrei lá, a escola de
polícia estava fechada. Fechada. E havia greve, sindicato. Foram
acabando. O [Nelson] Jobim fez uma reforma na estrutura da polícia.
Abrimos a escola de polícia. E deu continuidade. Não vou dizer que o
mérito era nosso, não. Estou dizendo que nós retomamos aquilo ali e está
aí. Está funcionando.
O Ministério Público, que no meu tempo
era altamente ideológico, tudo que se fazia ia para Justiça, não por
razão de desvio de conduta, por razão de visão. Agora, não é mais assim.
Está atuando mais dentro da norma da lei. Então, as instituições estão
se aprimorando. Isso é muito importante. Agora, não coíbe completamente
porque a cultura nossa política é outra. As pessoas aceitam a
transgressão com leniência.
O que eu sempre cobrei do presidente
Lula? A leniência. A leniência não quer dizer que participou, nem estou
acusando. É que não reclamou. Não pode dizer que não tenha havido
corrupção no meu governo, mas você sabendo, você tem que ser contra e
tem que...
Folha/UOL: Nesse episódio específico, o
ex-presidente Lula até hoje, pelo menos, ainda não comentou. E a
presidente Dilma também não comentou mas demitiu todo mundo no primeiro
momento. Agiram bem?
FHC:Olha,
eu acho que a presidente Dilma não tinha alternativa. Aliás, ela tem
feito isso. Vem a público... Você pode dizer: “Bom, ela não vai com a
linha de lá”. É verdade. Mas isso não é por causa dela. Tem um sistema
montado. Ela está nesse sistema. Esse sistema ampliou muito uma tradição
que é dá cá, toma lá. É interno. Todo sistema democrático implica, em
algum grau, disso. Mas em algum grau e não com objetivo pecuniário, com
objetivo de poder. Bom, aqui houve... Não só o sistema se ampliou como
alguns setores se transformaram em balcão, [como o] mensalão.
Então, esse sistema não foi desarmado. E não é fácil desarmar. Porque eu
acho que aqui, se há uma instituição que precisa ser repensada, são os
partidos e o Congresso. Porque o Congresso está abdicando da sua
capacidade fiscalizadora. Qual o ponto da oposição? A oposição não tem
força para gritar. Ela fala na tribuna, não sai na imprensa e ela não
tem poder lá dentro para mexer em nada porque é minoritária.
Folha/UOL: Nesse caso, o sr. sabe muito bem que o poder preponderante é o Executivo, não é?
FHC:É.
Folha/UOL:
O caso da presidente Dilma Rousseff, ela tem sido mais reativa nesses
casos. Ela reage. Mas o sr. acha que tem sido suficiente?
FHC:Não,
porque está acontecendo. Ela teve que demitir sete ministros num ano.
Uma coisa realmente... E, digamos, não é que o governo dela prime por
ter um brilho grande na administração. Não conseguiu ainda organizar um
governo que esteja marcando. Não está marcando. Não se sabe nem o nome
dos ministros. Então, você está vendo que está uma coisa meio opaca
ainda aí, não é?
Mas, voltando ao seu tema, então eu acho que
também tem um lado que é de exemplaridade, é de comportamento. Boa parte
do efeito positivo... Como agora, a coisa mais importante desse
julgamento do Supremo, para mim, foi o julgamento. Eu não gosto de ver
gente...
Folha/UOL: O Brasil mudou, como todo mundo fala?
FHC:Não
creio que o Brasil tenha mudado. O Brasil não mudou. Mas houve uns
passos aí que são bons. Porque mostrou que as instituições estão
funcionando, não é? Quem é que gosta de ver uma pessoa na cadeia?
Ninguém. Eu, por exemplo, não gosto. Não é esse. O que eu fico feliz não
é porque botaram gente na cadeia. Se é a circunstância, não tem jeito,
para lá vai. Mas não é esse objetivo. O objetivo é dizer: “Olha, não dá
para fazer certas coisas. O Tribunal está aqui.” Inibe. Então, eu acho
que é preciso ter alguma atitude de maior exemplaridade.
Folha/UOL:
O sr. conviveu com alguns dos réus que foram condenados, enfim, a penas
altas aí. José Genoíno, José Dirceu. O sr. conviveu com eles no
Congresso, como congressista lá. O que o sr. achou dessas condenações?
FHC:Olha,
eu acho que... Eu não vi os autos, mas eu ouvi o que foi dito lá. Eles
não foram condenados pelos que eles são. Mas pelo que eles fizeram. Uma
coisa é você ser. Eu sou um bom homem. De repente, eu fico com raiva,
dei um tiro e matei alguém. O que eu vou fazer? Vou para a cadeia. Eu
não tenho nada, nunca vi nada do Genoíno, por exemplo. É uma pessoa
bastante razoável, boa gente, tudo mais. Assinou uns papeis. O que o
juiz vai fazer? Do tal impresso. O que o juiz vai fazer? Agora, o José
Dirceu é um quadro. Eu respeito as pessoas que têm qualidade de quadro.
Ele tem. Ele tem estratégia, ele é duro. Ele vai lá, ele ataca. A mim
mesmo, de vez em quando, ele dá uma lambada e tal, né. Ele é um quadro. E
tem mais. Na visão dele, não sei eu, não quero justificar nada,
provavelmente ele agiu achando que estava agindo para o bem do partido
dele e para a ideia dele. É uma visão, ao meu ver, equivocada, mas ele
fez coisas erradas. Está lá. Está nos autos.
Folha/UOL: Então mereceram?
FHC:Se
os juízes estão certos e o que está lá é assim, então vai fazer o quê?
Eu não torci para que vá para cadeia. Eu não torço. Eu não consigo. Meu
espírito não é punitivo, digamos assim. Mas eu acho que a sociedade
existe. Então, você tem que fazer. Está aqui ou está ali. Errou, pagou.
Enfim, acho um episódio, pra mim, é triste. Porque essa gente ajudou
muito no Brasil no passado. E acho que poder é uma coisa complicada.
Realmente, ensandece as pessoas. As pessoas ficam com um sentimento de
que não tem limite. E que nunca ninguém vai mexer com elas. Não é fácil
exercer o poder, viu? Não é fácil. É uma coisa muito... Psicologicamente
é muito difícil você entender que você é uma pessoa, não é um rei, sei
lá, um ente especial. Sua vontade não é lei. Que você não vai ficar
sempre acima de tudo e de todos. É difícil. Então, tem um lado que eu
entendo a dificuldade. Mas não justifica. Se você fez e errou, errou.
Vai fazer o quê? Lamento. Eu realmente acho que foi uma página triste da
vida política brasileira.
Folha/UOL: Dos que foram
condenados, com os quais o sr. conviveu, o que o sr. sentiu mais, assim,
como o sr. está dizendo, triste pela condenação?
FHC:Os
que eu conheço... Eu não conheço a maior parte. Conheci muito
superficialmente esse... Não tenho... Não gosto. Esse que foi do PL,
como é que se chama?
Folha/UOL: O Valdemar [Costa Neto, do PR-SP].
FHC:É. Não gosto. O estilo... Não é uma pessoa que eu...
Folha/UOL: José Genoíno
FHC:José
Genoíno é uma boa... Eu convivia bem com ele. Não, eu não tenho nada
pessoalmente contra ele. Nada. E, agora, errou. E o Zé Dirceu eu conheço
talvez até melhor. Eu já disse aqui. Eu não consigo ser não objetivo.
Eu mesmo, tentar ser. Ele é um quadro. Ele fez coisas erradas, ao meu
ver. Tem uma visão da política que não coincide com a minha. Agora, eu
não vou dizer que ele seja bandido. Não é. É outra coisa.
Folha/UOL: Nesses casos, as penas de reclusão são corretas, o sr. acha?
FHC:Não há outras.
Folha/UOL: Não há outras, a lei diz isso. Mas o sr. acha que a lei é boa nesse caso?
FHC:Olha, difícil eu dizer a você que não porque então eu estou dizendo que tem pessoas que não.
Folha/UOL: Eu não sei.
FHC:Tem
umas que si outras que não. A pena de reclusão é ruim para todo mundo. É
ruim para todos. Pega um bandido, vai para a cadeia e piora. Mas você
tem que encontrar mecanismos mais adequados.
Aqui, a nossa lei
tem uma certa brandura porque tem o negócio da prisão domiciliar, a
prisão... Como é que chama aquele termo? Regime aberto, não é?
Folha/UOL: Semiaberto.
FHC:E,
também, tem outro lado que o Ministro da Justiça [José Eduardo Cardozo]
reclamou outro dia que é verdadeiro. Nós todos sabemos. É péssimo viver
na prisão. Mas é péssimo para todos. O problema meu, volto ao negócio, é
da igualdade. Se você não parte do [princípio] de que o cidadão é igual
perante a lei, você não tem democracia. Então, a partir daí, pena é
igual para todos. Eu vou fazer o quê? Lamento.
Folha/UOL:
Só voltar um pouquinho anterior naquela [pergunta]. O sr. acha que o
ex-presidente Lula deveria falar um pouco mais sobre essa ex-funcionária
que...
FHC:Eu não sei
qual é o grau de, digamos, relação efetiva. O que eu li nos jornais não
dá base para dizer: “É assim”. Eu não sei se ele se responsável. Até que
ponto. Então, eu acho que, se ele, efetivamente, cedeu a pressões dela
sabendo... Aí, não adianta nem ele falar. Está errado. Mas eu não posso
dizer porque o que eu vejo no jornal não é suficiente.
Folha/UOL: Presidente, para 2014, o PSDB já está com o discurso afinado?
FHC:Não.
Folha/UOL: O que falta?
FHC:Falta
o que eu disse aqui. Falta... Na esquerda costuma-se dizer “fazer a
autocrítica”. Hoje ninguém gosta de falar disso [risos]. Ninguém faz
autocrítica. Nós precisamos também rever.
Porque, se você perde uma eleição... Você pode perder por mil razões. Pode ser que tenha feito tudo certo. Pode ser que não.
Folha/UOL: Quem o sr. acha que vai estar na cédula... Não tem mais cédula, mas na urna eletrônica para presidente em 2014?
FHC: Olhando hoje?
Folha/UOL: É.
FHC:
Olhando hoje, você tem o Aécio, você tem a presidente Dilma, você tem,
eventualmente, Eduardo Campos [governador de Pernambuco e presidente
nacional do PSB], e, provavelmente, a Marina [Silva, que foi candidata
em 2010]. Olhando hoje, é isso.
Folha/UOL: Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal?
FHC: Eu acho que ele tem bom senso. Não! [risos] Eu acho que ele tem juízo, não entra nessa, não.
Folha/UOL: Por quê?
FHC: Porque é outro caminho, não é o dele. Aí é erro.
Folha/UOL: No caso do PSDB, o nome de Aécio Neves, o sr. acha que é consensual desde agora?
FHC: Não, eu não diria isso. É difícil você ter nomes consensuais. Eu acho que o PSDB tem que se habituar à prévia.
Folha/UOL: Mas nesse caso agora...
FHC: Se não houver combatentes... será [Aécio Neves o candidato do PSDB a presidente da República em 2014].
Folha/UOL: José Serra?
FHC:
O Serra é o quadro político mais preparado. Vou te contar só um caso.
Quando foi a eleição, uma delas aí em que ele [Serra] foi candidato a
presidente da República, ele veio dizer a mim que talvez fosse melhor eu
ser candidato, eu, Fernando Henrique. Aliás, os três me disseram, o
Geraldo, o Serra e o Aécio. Eu brinquei né. Com o Serra eu não brinquei,
com o Serra eu disse: “Ô, Serra, você está enganado. Hoje o melhor não
sou eu, é você. Porque você está muito preparado, você é competente e
você quer ser. Eu já fui. Já não tenho mais aquele elã, que o Brasil
precisa”. Então essa é a minha opinião sobre o Serra. O Serra é um tipo
preparado e tal, competente. Agora, não sei se ele... Como é que ele vai
manejar a vida. Porque eu tenho para mim a ideia de que um país como o
Brasil... a partir de um certo momento, você não tem mais essa energia
de idade. Eu, por enquanto, não estou completamente gagá. Mas eu não
aceitaria uma posição de presidente da República, de forma alguma. Nem
se fosse um outro sistema, de primeiro-ministro. Porque eu sei o peso
que é aquilo ali, e eu não tenho mais, digamos assim, energia vital para
isso.
Folha/UOL: No caso de José Serra... foi candidato
[a presidente] duas vezes, foi candidato a prefeito, já foi governador,
já foi prefeito. O que o sr. vislumbra que poderia ser uma contribuição
dele em 2014?
FHC: Primeiro, ele pode, realmente, de repente, ser candidato. Ninguém pode dizer que não.
Folha/UOL: A presidente?
FHC:
A presidente. Ele pode. Neste momento, eu diria que não é a tendência
no PSDB. Vamos ver, pode. Tem condições. E em matéria de idade, ele
ainda tem tempo. Ele tem a mesma idade que eu. Ele é forte fisicamente.
Se isso não for. Eu acho que ele tem... Bom, cada um faz o que quer da
sua vida. Eu acho que o Brasil precisa de gente que tem capacidade
crítica, capacidade de pensar, de falar, de escrever, de pregadores. O
Serra é bom, ele é competente, ele é firme intelectualmente, ele sabe
fazer crítica. Ele é estudioso, ele é minucioso. Ele tem uma poderosa
mente analítica. Ele poderia preencher um papel grande, político e
social.
Folha/UOL: Mas como?
FHC: Escrevendo, pregando, fazendo conferência.
Folha/UOL: Não concorrendo a nenhum cargo, talvez?
FHC:
Para quê? Eu nunca quis concorrer a cargo nenhum. Olha que eu falo isso
para os jornais até hoje. Eu deixei o governo há muito tempo, eu nem me
lembro. Mas é só eu falar que está no jornal. Né? Por quê? Não é por
grande coisa, não. Eu costumo responder as coisas. Você está vendo aqui:
você m pergunta, eu respondo. Eu não vou escapulindo.
Folha/UOL:
O Aécio deveria, talvez, acelerar a busca do discurso ideal para,
eventualmente, ser candidato? O sr. não acha que já está na hora?
FHC: Acho, acho.
Folha/UOL: O que ele deveria fazer objetivamente?
FHC: Assumir mais publicamente posições.
Folha/UOL: Por exemplo, cite uma.
FHC: Por exemplo, agora mesmo, comentar o que está acontecendo no dia a dia. No caso aí do Brasil
Folha/UOL: Esse escândalo, o sr. se refere do tráfico de influência?
FHC:
Escândalo não é o campo favorável. Mas pega uma coisa concreta. Pega
saúde e vai lá em cima. Ou veja a questão da energia. O que aconteceu
com a Petrobras. Tomar posição.
Eu acho que os políticos...
Folha/UOL: Ele tem falado às vezes no Congresso...
FHC: Tem falado, tem falado.
Folha/UOL: Mas será que é o suficiente?
FHC: Não porque o Congresso hoje, a tribuna nossa é fraca.
Folha/UOL: Ele deveria fazer o quê? Viajar?
FHC:
Eu acho que sim. Falar, fazer conferência, viajar. Enfim, eu acho que
nossos políticos precisam, cada vez mais, voltar a tomar partido, em
bola dividida. Não é? A busca das coisas consensuais mata a política. É
bola dividida, entrar na bola dividida, e discutir. E mesmo se for o
caso de ser candidato, que diga que é.
Folha/UOL: Podia dizer agora, não tem problema?
FHC:
Eu acho que a ideia de que você precisa esperar, porque vai ser
desgastado, não adianta. O que tiver que ser desgastado, vai ser. Acho
que ele deve assumir. Está bom, o Serra também quer ser? Vai ser.
Briguem. Eu acho que precisa... Não sei, pode ser que seja coisa... Que
eu esteja insistindo num tema que não precisaria insistir tanto, mas
acho que o povo cansou da mesmice. As pessoas têm muito cuidado, até
mesmo de criticar. Não sei porque tanto cuidado.
Quando eu
estava no governo ninguém tinha cuidado de me criticar, diziam o diabo,
não é? Quase todo mundo tem cuidado de tudo, por que ter cuidado...
Errou fala. Pode ser que não tenha razão ao criticar. Mas assuma uma
posição. Então eu acho que o PSDB tem que assumir uma posição mesmo. Ele
assume, você vê os discursos parlamentares, dá até pena. Porque alguns
são muito bons, está lá dito, mas não ecoou. Então tem que buscar um
caminho de ecoar isso. Política é gesto. Política é um pouco de teatro.
Não é só. Mas é um pouco. Vou reiterar o que eu digo sempre: não haveria
mensalão se não houvesse Roberto Jefferson [presidente nacional do PTB,
que delatou o esquema]. Não haveria.
Folha/UOL: É verdade.
FHC:Ele
teatralizou. Então, eu acho que estamos precisamos de atores nesse
sentido. Não na falsidade. Não é isso, não. Não na expressividade.
Folha/UOL: Faltou isso no PSDB um pouco?
FHC:A
todos. Não falta ao Lula, que sabe expressar. E inventa uma história.
Pode não ser verdadeira, muitas vezes não é. Mas ele dá uma... ele faz
algumas coisas para convencer. Precisa disso. Precisa de entusiasmo.
Você não pode ser água morna. Tem que ter entusiasmo. Você tem que ter
indignação, irritação.
Folha/UOL: O marqueteiro do PT
disse que o ex-presidente Lula pode ser um bom candidato a governador de
São Paulo. O que o sr. acha?
FHC:Eu
acho que o presidente Lula vai ser nunca o número dois em nada, porque
ele não aceita. Não aceita, não é o estilo dele, ele quer mandar em
tudo. Não aceita.
Folha/UOL: Está em risco a hegemonia do PSDB em São Paulo?
FHC:Em
risco sempre está. Tem que abrir os olhos. Mas temos condições. Nessa
eleição, você pense bem, com tudo que foi feito sobre o Serra e tal e
coisa, o Serra teve quarenta e poucos por cento dos votos. Na capital.
No interior, então, é mais fácil. Então nós temos uma condição boa. Não
dá para dormir nos louros, mas tem condição. É que as pessoas gostam de
criar uma tensão e tal. É normal.
Folha/UOL: Presidente, o sr. está com 81 anos?
FHC:É. Isso é chato.
Folha/UOL: Como está a saúde?
FHC:Ah, está boa.
Folha/UOL: Tem feito check-up?
FHC: Ah, sistematicamente.
Folha/UOL: É? Você faz uma vez por ano?
FHC:Não.
Que uma vez por ano? A cada quatro ou cinco meses eu faço aquele
negócio de sangue, tudo, que a taxa está boa. Todas [as taxas].
Folha/UOL: Tem alguma recomendação especial?
FHC:Gostar
da vida. E gostar das pessoas. E não se privar de nada, quando puder,
né? E não exagerar. Eu faço pouco... Eu faço exercício.
Folha/UOL: Qual exercício o sr. faz?
FHC:Faço musculação, faço musculação. É vai lá gente, duas, três vezes por semana eu faço lá. E rigorosamente.
Folha/UOL: Anda na esteira, alguma coisa também?
FHC:Eu
não gosto de andar, mas me obrigam. Mas eu gosto mais de fazer
musculação. Máquinas e aquela coisa toda eu faço, exercício, eu faço. E
eu como bem e não muito. Eu bebo vinho. Não muito. E, às vezes, whisky,
mas raramente. Mas nunca nada muito. E durmo bem. Eu gosto da vida,
gosto das pessoas.
Folha/UOL: O sr. fumou alguma vez na vida?
FHC:Nunca.
Folha/UOL: Não?
FHC:Não. Eu sou careta [risos].
Folha/UOL: [risos] E como está a vida pessoal?
FHC:Está boa. Muito bem.
Folha/UOL: Está namorando, presidente?
FHC:Isso é o que dizem por aí. Mas dizem tanto, que eu acabo acreditando [risos].
Folha/UOL: Mas está ou não está?
FHC:Eu estou. Mas não estou dizendo que acabo acreditando?
Folha/UOL: Então tá.
FHC: Mas não é meio ridículo? Namorar com 81 anos, não pode.
Folha/UOL: Por quê?
FHC:Mas, no meu caso, eu não penso que eu tenho 81 anos. Então vai [risos].
Folha/UOL: Então tudo bem
FHC:Mas
eu tenho uma vida boa, afetiva. Meus filhos estão aqui sempre comigo.
Quase toda semana tenho filhos aqui. E tenho muitos amigos. Muitos.
Tenho uma vida, digamos, social, não no sentido de society, mas no
sentido de ter com quem almoçar, intensíssima, o tempo todo. Viajo
muito, o tempo todo. Semana que vem eu vou ao Estados Unidos e para a
Espanha. Eu vou ao Estados Unidos na quarta-feira Γ de dezembro de 2012]
porque na quinta, ou por aí, na quinta-feira eu vou lançar esse filme
sobre drogas numa versão global que fizemos com o Richard Branson e que
vai ser lançado no Google. Eu vou estar lá presente.
Folha/UOL: Que dia que é?
FHC:É
dia 6 ou 7 de dezembro, agora. Depois eu vou à Espanha, eu tenho uma
reunião em Salamanca. E a Fapesp, de São Paulo, com o Celso Lafer, que é
o presidente. Tenho uma reunião lá com reitores, sei lá o quê. Eu tenho
doutorado honoris causa em Salamanca, pediram que eu fosse. Eu vou e
volto para cá. Isso eu faço com frequência. Não é? Faço com prazer.
Semana passada eu fui a Alagoas. Aí voltei. Fui a Lindóia fazer uma
conferência para uma amiga minha, a Elza Berquó. Sobre demografia. Eu
vou. Fui a Campinas, almoçar com um comandante do Exército lá que foi
meu ajudante de ordens. Vou e volto. Hoje eu já fiz uma palestra de
manhã. Vou fazer outra daqui a pouco. Então, tenho energia. Tem que ter
modéstia também. Não é como era no passado também, isso é conversa.
Ninguém com 81 anos é igual era 10 anos atrás. Não é.
Folha/UOL: Presidente Fernando Henrique, muito obrigado por sua entrevista à Folha e ao UOL.