domingo, 8 de dezembro de 2013

Bill Clinton: "Governos precisam ser transparentes"

Política Internacional

O ex-presidente dos Estados Unidos diz a ÉPOCA que o escândalo da espionagem americana expõe a necessidade de mais cooperação e menos desconfiança entre países

William Jefferson Clinton é corajoso. Após ocupar por oito anos a cadeira mais poderosa do mundo, como 42º presidente dos Estados Unidos (1993-2001), aos 67 anos ele se dedica a lutas tão nobres quanto difíceis – como a busca por alternativas econômicas e a melhoria no atendimento de saúde em algumas das regiões mais carentes do planeta. Entre este domingo, dia 8, e o dia 10 de dezembro, Bill Clinton comandará, no Rio de Janeiro, uma versão latino-americana do encontro de sua Clinton Global Initiative (CGI), parte da Fundação Clinton dedicada a projetos de desenvolvimento. Sua mensagem pede mais cooperação entre setores e países. “Ninguém tem nada a ganhar escondendo.”


ÉPOCA – Na América Latina, costumamos nos referir a nós mesmos como a “região esquecida” – não tão pobre quanto a África nem tão politicamente importante quanto o Oriente Médio. O senhor esteve recentemente em países como Peru e Bolívia, acompanhando projetos de sua fundação. Agora traz o encontro da Clinton Global Initiative (CGI) ao Rio de Janeiro. Por que esse novo foco na América Latina?

Bill Clinton –
É uma coisa permanente. Quando era presidente, ajudei o Brasil duas vezes, em 1994 e 1998. Ajudei o México a sobreviver à sua crise da dívida. Desde que deixei o cargo, continuei a trabalhar na Colômbia e no Peru. Temos também no México projetos sobre o clima, na Guiana, por todo o Caribe. Tenho me envolvido consistentemente na América Latina por 20 anos, porque acho que é o único caminho que faz sentido para os Estados Unidos – somos vizinhos, amigos, aliados. Deveríamos construir um mundo onde trabalharíamos para o melhor resultado possível,  um mundo mais unido, com mais oportunidades, menos desigualdade e mais cooperação por todo o globo. Se tudo der errado, podemos nos sair muito bem aqui em nossa vizinhança, se o Canadá e os Estados Unidos trabalharem com todos os países.


ÉPOCA – O que o senhor espera desse encontro? Algum resultado específico relativo ao Brasil?

Clinton –
Espero, primeiro, aproximar países das Américas, para que eles possam aprender mais e mais uns com os outros e com seus desafios comuns. Segundo, fazer o que sempre fazemos nos encontros da CGI: compromissos específicos que unam empresas, a sociedade civil e governos, para que trabalhem juntos para resolver esses desafios. O que funciona em qualquer lugar do mundo hoje é criar cooperação. O que funciona na política é o conflito constante, mas isso nunca resulta em crescimento econômico, redução de desigualdade ou melhores oportunidades. O que tentamos fazer é construir essa ideia de envolvimento da sociedade civil e do setor privado na solução de problemas públicos, de uma forma que possibilite a todos os países aprender mais um com o outro. Estou empolgado com isso.

ÉPOCA – Existe algum desafio em particular que o senhor identifica na América Latina – como crescimento econômico, corrupção ou educação – que atrapalhe o progresso na região?

Clinton –
Uma das coisas em que nos concentramos em nossa fundação é a ideia de crescimento econômico de baixo para cima: construir cadeias de oferta e distribuição que ajudem pessoas de baixa renda. No Peru, nos Andes, oferecemos oportunidades a mulheres para vender produtos em vilarejos remotos e praças das cidades, para que aumentem sua renda em quatro, cinco vezes. Isso pode ser adotado em qualquer lugar da América Latina. Na Colômbia, ajudamos produtores agrícolas e pescadores a triplicar seus ganhos ao promover melhor seus produtos, na distribuição de peixe, para que ganhem mais dinheiro e tenham mais oportunidades econômicas. Espero que haja mais projetos na área de energia. Na maior parte da América Latina, a energia verde – sol, vento, energia hidrelétrica, geotérmica – é na verdade muito boa para a economia, porque é muito mais barata que importar diesel, algo que a maior parte das pessoas no Caribe tem de fazer.


ÉPOCA – Desde que o senhor deixou a Casa Branca, seu trabalho tem envolvido questões como aids, pobreza e mudanças climáticas. Muitos veem esses problemas como questões separadas. Existe uma forma combinada de lidar com elas?

Clinton –
Acho que existe, mas, para fazer isso, você precisaria ter mais dinheiro do que minha fundação tem. O que tento fazer, no caso de aids, tuberculose, malária, saúde materna e infantil, é ir a um lugar e reduzir dramaticamente o custo dos medicamentos, melhorar a distribuição, para que o tratamento de saúde possa ser melhorado e mais pessoas possam ser tratadas com o mesmo montante de dinheiro. Isso libera recursos para que países possam investir em educação e desenvolvimento. Quando trabalhamos na área de mudanças climáticas, fazemos apenas projetos que, acreditamos, criarão empregos e crescimento econômico. Tenho muitos projetos de educação, que promovemos por meio da CGI, sem parceiros, a maioria no Caribe e na África. Mas nunca tive recursos para ir a um país e desenhar um projeto amplo de desenvolvimento. Essencialmente, dar poder às pessoas é um de nossos desafios centrais.

ÉPOCA – Em termos de parceiros, o trabalho da CGI tem sido basicamente trazer grandes corporações para o mundo da filantropia. Esses esforços tendem a se tornar reféns de condições econômicas e políticas. Os governos são mais um problema que parte da solução no tipo de trabalho que o senhor faz hoje?

Clinton –
Às vezes. O que sempre tento fazer é lembrar que o governo tem de ser, no final, o garantidor não apenas dos direitos dos cidadãos, mas também da capacidade de operação da sociedade civil e das ONGs (organizações não governamentais). Acho muito importante envolvê-los (o governo), nem que seja para abençoar o que é feito. Meu verdadeiro objetivo, pelo menos em qualquer lugar onde minha fundação trabalhe, é trabalhar fora do governo e ir para algum outro lugar. Gerar capacidade para as pessoas governarem a si mesmas é uma parte importante. Mas você precisa ter padrões. Temos uma estrita política de não à corrupção.

ÉPOCA – O senhor tem falado muito em interdependência no mundo de hoje e na necessidade de colaboração – entre setores, Estados e regiões. Isso é ótimo, mas há muita competição e desconfiança. O trabalho da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA) não ajudou a melhorar a confiança entre muitos países, incluindo o Brasil, e os Estados Unidos. Como é possível superar essa desconfiança para que ela não prejudique o diálogo que o senhor e outras ONGs promovem?

Clinton –
Acho saudável ter esse debate de uma forma global. A única maneira de superar a desconfiança é com as pessoas e os governos totalmente transparentes sobre o que acontece e abertos para mudanças em práticas políticas que violem nossos valores e nossos interesses mútuos. Mais transparência é o caminho – e isso é verdade dentro de um país e também em relações bilaterais e multilaterais.

ÉPOCA – O senhor é otimista com relação a esse desafio?

Clinton –
Sou relativamente otimista, sim. Se você olhar para todas as controvérsias, como a dos dados confidenciais, percebe agora que corre o risco de ter menos segurança e menos privacidade. E, se quisermos mais segurança e uma privacidade adequada, isso exigirá cooperação, transparência e que todo mundo siga os parâmetros básicos do que façamos. Há todo tipo de desafio, que todos enfrentamos, por entre as fronteiras, e temos uma enorme quantidade de informação que pode ser usada e abusada. Estamos construindo um verdadeiro mundo interdependente e sou bastante otimista em relação a isso. Estou mais concentrado no que temos agora: uma escassez global de bons empregos para jovens, em qualquer lugar do mundo. Os desafios econômicos são outro argumento por transparência e cooperação. Você precisa achar uma forma de tornar possível que as pessoas tenham uma vida decente em qualquer lugar. O mundo teve sucesso nos últimos 30 anos em reduzir a pobreza extrema – e a China sozinha tirou quase 500 milhões de pessoas da pobreza –, mas ainda existem (na China) 100 milhões vivendo com menos de US$ 1 por dia. Brasil e México tiveram, ambos, uma perceptível redução da desigualdade, em parte por ter erguido as pessoas de baixo para cima. Mas, como vimos nos protestos (no Brasil), ainda existe muita frustração entre os jovens de classe média, que querem uma vida melhor. Esses são desafios que todos enfrentamos. Se não formos otimistas quanto à transparência, ninguém terá nada a ganhar no longo prazo escondendo. Há muito mais a ganhar cooperando.